Carreira internacional em Product Marketing

Fernanda Sujto
7 min readSep 6, 2022

Uma das muitas coisas boas de escrever sobre tecnologia e Product Marketing é a possibilidade de troca de ideias com uma rede ampliada de contatos. Foi assim que eu conheci a Simone Brisquiliari, que atua como PMM na Urbyo, uma startup do setor imobiliário em Berlim.

Ela já mora fora há alguns anos: antes de se mudar para a Alemanha, ela viveu no México e no Brasil, onde nasceu e viveu o início de sua carreira. Ela é uma pessoa muito aberta e gentil, por isso eu a convidei para o bate-papo que você irá conferir a seguir. Conversamos sobre o processo de mudança dela, vantagens e desvantagens de morar fora do Brasil, seus desafios, sua experiência como PMM em Berlim e finalizamos com dicas para quem deseja construir uma carreira internacional. Vamos lá?

1. Conte-nos sobre sua trajetória profissional: o que você faz hoje, onde já morou e o que fazia antes de ser Product Marketer?

Antes de me apresentar eu gostaria de agradecer ao convite, Fê. Eu tenho consumido o conteúdo que você disponibiliza sobre PMM e tem sido muito enriquecedor!

Agora vamos à resposta. Eu moro atualmente em Berlim, na Alemanha, e sou PMM de uma startup Proptech (Property Technology). Já morei no México por dois anos, onde trabalhei na área de Branding e antes disso no Brasil, onde nasci, cresci e comecei minha carreira. Sempre trabalhei com Marketing. Antes de entrar para o mundo de Tech, atuava no setor de indústria de bens de consumo; passei pela Sadia (BRF), Nivea e Hypera.

2. O que te motivou a sair do Brasil? Como foi o seu processo de mudança?

Sempre tive vontade de fazer intercâmbio e, após um tempo trabalhando e me planejando financeiramente, fui morar na Austrália como estudante para desenvolver meu inglês. Após uma temporada de 8 meses por lá, resolvi que queria trabalhar em outro(s) país(es) e com outras culturas.

Contando assim parece que foi tudo lindo e super fácil. Mas gente, eu nem sei contar quantas vezes eu chorei, duvidei da minha capacidade e me questionei sobre o que eu estava fazendo da vida. Quero destacar a importância de uma rede de apoio: a minha foi fundamental nestes momentos. Sem meu marido, amigues e família eu nem imagino como teria sido passar por essa montanha-russa de sentimentos que é morar no exterior.

Nos dois casos (México e Alemanha), eu primeiro me mudei e depois consegui as oportunidades profissionais. Mas existem muitos casos em que as pessoas conseguem o emprego antes de se mudar. Falaremos sobre isso adiante.

3. Quais são as vantagens e desvantagens de morar e trabalhar em outro país?

Para mim, a maior vantagem é a troca cultural. A minha percepção de sociedade, privilégios, e relações interpessoais mudou muito! Berlim é uma cidade cosmopolita e recebe estrangeiros do mundo todo, o que é muito valioso e interessante.

E a maior desvantagem, na minha opinião, é a “falta de pertencimento” que às vezes bate. Aqui eu não posso revisitar a rua que eu morei durante a infância, ou inesperadamente cruzar com um colega da época de escola, ou citar uma referência cultural do tipo “eu adorava os Mamonas Assassinas”; um gringo nunca vai entender isso, do mesmo modo que eu também não entendo quando eles falam coisas desse tipo.

4. Quais são os maiores desafios do seu dia-a-dia?

Vou começar respondendo com a seguinte afirmação: eu gosto de falar (amigas do WhatsApp conhecem bem os meus áudios-podcast rsrsrs). Então o idioma / comunicação é a coisa mais desafiadora na minha rotina: primeiro porque nada é tão natural como me expressar na minha língua materna, segundo porque eu moro num país onde a língua oficial não é o inglês (meu alemão é nível básico).

Vale destacar que países latinos são culturalmente (e economicamente) parecidos com o Brasil, por isso, ter mudado para o México não foi tão radical. Já a Europa tem sido bem diferente.

Puxando um pouco para a questão profissional, o fato de não ser nativa nesses idiomas faz com que eu tenha uma dificuldade maior com geração de conteúdo.

Além disso, o trabalho com Marketing envolve, entre outras coisas, o conhecimento do seu público-alvo. É bem difícil tentar entender os comportamentos numa sociedade na qual você não cresceu. Por exemplo: Com relação à moradia (que está relacionado com a área que eu trabalho). As pessoas aqui na Alemanha alugam muito mais do que compram; compreender o porquê disso implica em assimilar as questões da atualidade, mas também em entender a história, pois é um país que passou por duas guerras mundiais e isso afetou profundamente a percepção das pessoas com relação à propriedade privada.

É importante se conscientizar que os gringos não são “deuses” e o mercado daqui também tem problemas como ego, falta de investimento, de liderança, de mão de obra, etc. Ou seja, os desafios corporativos são semelhantes.

5. Conte sobre sua experiência como PMM na Alemanha: alocação da área, relação entre stakeholders, evolução de PMM e oportunidades no país

O trabalho aqui na Alemanha tem sido muito diferente das minhas experiências anteriores. Gosto de fazer a seguinte analogia: até então eu havia trabalhado em empresas onde a roda já existia e, junto com o resto do time, eu mantinha ela girando. Estando numa startup você precisa primeiro criar a roda (processos, atrair clientes, parceiros, etc), para então conseguir fazer ela girar. Ou seja: a primeira grande mudança foi ter migrado de empresas tradicionais para uma startup em outro país.

Isso faz com que o trabalho seja muito dinâmico e as mudanças propostas sejam implementadas rapidamente. Por exemplo, eu ingressei na companhia como Marketing Manager focada no target de estrangeiros. Com o tempo, senti a necessidade de estar mais próxima de Produto e conversei com o meu gestor sobre isso; juntos discutimos essa ideia e eu assumi como PMM. Continuo alocada dentro do time de Marketing, reportando para o CMO, e meu maior desafio hoje é implementar e desenvolver essa função na companhia.

Pra não ficar tão teórico, alguns exemplos das minhas atividades são: desenvolver personas que representem nosso público-alvo, entender o mercado e os principais competidores, realizar e analisar pesquisas com o usuário, entender o funil de marketing (aquisição, conversão, e retenção), acompanhar o desempenho dos indicadores, entender como o produto funciona e sugerir melhorias (lado-lado com o time de Produto).

O que eu acho mais desafiador em ser PMM é o fato do escopo variar muito de acordo com a empresa e a necessidade do negócio naquele momento. Basicamente a pessoa PMM precisa evangelizar ao mesmo tempo em que aprende. É preciso ter muita flexibilidade.

Na minha visão, Product Marketing vem ganhando relevância, mas ainda é uma posição que nem toda empresa tem (numa pesquisa rápida no LinkedIn: existem quase 3x mais posições de PM do que de PMM aqui em Berlim). É indiscutível, porém, que mais oportunidades na área vêm sendo criadas, com América do Norte e Europa concentrando um grande número de PMMs.

6. Você pode dividir algumas dicas para quem considera carreira internacional, pensando no nosso “complexo de vira-lata” e aspectos para atentar?

Fê, eu acho delicado responder essa pergunta porque não tem uma fórmula mágica. Sei que falo de uma posição de privilégio, pois só cerca de 4% da população brasileira tem acesso ao ensino superior no Brasil (e ter um diploma foi importante no meu caso).

De forma geral, há duas coisas que eu julgo importante para quem busca uma oportunidade no mercado externo:

  • Idioma: foque no inglês pois ele será a sua principal ferramenta de trabalho (sem comunicação não há estratégia ou discussões sobre o produto)
  • Não se menospreze: foque nas suas experiências, resultados (positivos e negativos) e em como você pode agregar trazendo o ponto de vista de uma pessoa estrangeira.

Sobre este segundo ponto: o Brasil já é referência em muitos segmentos. Grandes empresas vêm trilhando trajetórias de sucesso e isso tem contribuído para construir uma imagem positiva do profissional brasileiro. Esse artigo do Fórum Econômico Mundial é um bom exemplo de como o setor bancário brasileiro tem muito pra ensinar para o resto do mundo.

Um outro ponto que muita gente fantasia é que trabalhando no exterior você ė automaticamente milionário porque ganha em Euro/Dólar. Mas a galera esquece que também se gasta em Euro/Dólar e o imposto de renda é BEM mais alto do que no Brasil (a alíquota aqui na Alemanha pode chegar até 40%, por exemplo). Para avaliar propostas e decidir sobre o seu próximo passo, eu recomendo sites como Numbeo — para comparar o custo de vida; ferramentas como Glassdoor Salaries ajudam a comparar a média salarial da posição em questão. Baseado nessas ferramentas, a média salarial de um PMM na Alemanha fica em torno de € 4.000 BRUTO (lembrem-se que o imposto de renda aqui é alto, e esse valor varia bastante de acordo com o tamanho da empresa).

Embora existam todas essas considerações, eu sinto que o meu poder de compra em Berlim é maior do que o que eu tinha em São Paulo, porque aqui os produtos não são tão caros (eletrônicos, cosméticos, bike, etc).

Por fim, especificamente sobre PMM: se você tem interesse em atuar em Product Marketing, busque informações em artigos na internet, comunidades no Slack que falem sobre o tema, envie mensagem para as empresas que têm vagas desse tipo e questione os recrutadores para poder entender quais são as expectativas. A troca com outras pessoas é fundamental.

Ah! Se você tem interesse em vir para a Alemanha um dos caminhos possíveis é através do Blue Card, que é um visto para atrair talentos com formação universitária em áreas que enfrentam escassez de mão de obra (ex.: tech, arquitetura, área da saúde, e outros).

Quem tiver alguma dúvida específica sobre Berlim, pode me add no LinkedIn e mandar uma mensagem.

Simone, muito obrigada por compartilhar sua história. A mudança de país é um sonho distante de muitos brasileiros, e poder conhecer sua experiência é inspirador. Vamos seguir construindo o espaço de Product Marketing em cada canto do mundo.

A quem leu: não deixe de acessar os links disponíveis ao longo da entrevista. A Simone foi além e complementou com conteúdos bem interessantes para você se aprofundar.

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Fernanda Sujto
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Written by Fernanda Sujto

Product Marketing Executive. Over 15 years of experience in Marketing, Strategy & Ops. Deep knowledge about proptech industry. PMM Lead@QuintoAndar.

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