Porque o mercado imobiliário brasileiro está tão em alta?

Fernanda Sujto
5 min readJul 4, 2022

O mundo todo está olhando para o Brasil quando se fala no mercado imobiliário. Gigantes do setor atraem atenção internacional e injetam cada vez mais liquidez e movimentação nas transações — não é à toa, já que o mercado movimenta R$ 650 bi por ano! Então, resolvi criar este artigo para explicar o porquê de tudo isso com base na minha experiência no mercado nos últimos anos.

Faltam 5,8MM de imóveis no Brasil

O déficit habitacional é um índice que considera o número de pessoas e/ou famílias que vivem em condições de moradia deficiente em uma região. O cálculo utiliza algumas variáveis que resultam na necessidade de moradias adicionais:

  • Número de domicílios rústicos ou precários, como carros, barracas e barracos;
  • Coabitação, ou seja, duas ou mais famílias convivendo juntas no mesmo ambiente, sem privacidade (uso compartilhado de banheiro e lavanderia);
  • Adensamento excessivo em domicílios alugados (um cômodo com mais de 3 pessoas);
  • Valor do aluguel diante da renda: pessoas que ganham até 3 salários mínimos (˜590 USD) que utilizam mais de 30% da própria renda para pagar sua moradia.

Crises econômicas associadas a fatores como diminuição do poder aquisitivo e desemprego trazem como consequência a precarização das condições de habitação, como morar de favor ou até o triste cenário de passar a viver nas ruas. No ano de 2020, quase 12 milhões de brasileiros sofreram reduções salariais e 13 milhões perderam o emprego (14% da população). Vamos acompanhar o que a próxima pesquisa (PNAD — IBGE) mostrará sobre o cenário pós-Covid a este respeito.

2. Iniciativas públicas que aceleram o setor

Falaremos de três frentes bem interessantes que estimulam a aquisição de imóveis no Brasil, e que curiosamente favorecem o consumo de diferentes grupos sociais.

A primeira, Casa Verde e Amarela (ex-Minha Casa Minha Vida), é um programa do Governo Federal que ajuda as pessoas com renda mensal de até R$ 7k a comprarem a casa própria. O governo oferece subsídios de até 90% para a construção e para o financiamento: bom para a população, que tem acesso à aquisição de moradia, bom para as construtoras, que constroem imóveis populares com garantia de liquidez, e bom para os bancos, que têm demanda por transações e pouco risco, pois o governo está por trás. Mais de 5 milhões de pessoas adquiriram seus primeiros imóveis próprios a partir do programa.

O segundo é a permissão de saque do FGTS para compra de imóveis. O FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) é um fundo de cada trabalhador na Caixa (banco público) em que a empresa empregadora deposita 8% do salário bruto mês a mês. Este valor pode ser utilizado em ocasiões muito específicas — uma delas é a compra de imóveis residenciais urbanos de até R$ 1,5MM, para moradia do titular. Estamos falando de quase R$ 9 bi depositados mensalmente em FGTS, que podem ser utilizados para este fim!

A terceira e última é o lucro imobiliário. É um tributo correspondente ao valor que a pessoa ganha com a venda de um imóvel, ou seja, quando o valor de venda é maior que o valor de aquisição no passado. O lucro imobiliário pode chegar a 22% sobre o ganho de capital. Porémmm… fica isento deste imposto quem compra outro imóvel residencial em até 180 dias. :)

Estes estímulos movimentam o mercado e injetam demanda ao mercado de compra e venda. Mas… e o aluguel? Avaliaremos no bloco a seguir.

3. Juros determinam quando é melhor comprar ou alugar

A taxa Selic representa os juros básicos da economia brasileira. No momento que escrevi este artigo, ela estava perto de seu menor nível histórico, de 2,75% ao ano. Ela influencia os juros do crédito imobiliário, que vêm caindo, estimulando ainda mais a compra de imóveis. Por conta disso, os financiamentos imobiliários subiram 57% de 2019 para 2020 em volume financeiro.

Além disso, ao optar pelo SAC (Sistema de Amortização Constante — o mais comum no Brasil), as parcelas do financiamento vão diminuindo com o passar do tempo, enquanto o valor do aluguel aumenta ao longo do contrato (IGP-M). Para se ter uma ideia, no momento que escrevi este artigo, o IGP-M acumulado dos últimos 12 meses era de 31%, que é a base do reajuste dos aluguéis caso o proprietário não concorde em renegociar.

Este cenário muda muito quando a taxa Selic sobe, pois além da parcela do financiamento ser mais alta, o capital imobilizado poderia render muito mais em aplicações — mesmo nas mais conservadoras!

Por isso que, neste momento, vale mais a pena comprar do que alugar no Brasil. É claro que ainda não falamos do aspecto psicológico, já que locação permite flexibilidade e liberdade, enquanto a compra permite construção de patrimônio. O que nos leva ao bloco seguinte, sobre aspectos culturais.

4. Quem investe em terra não erra

Minha mãe me fala essa frase desde que me entendo por gente, junto com “até os 30 anos você tem que assinar um contrato de compra de um imóvel”. Silvio Santos, no icônico programa “o pião da casa própria”, em que os participantes giravam uma roleta para concorrer a um imóvel, já ganhava muita audiência e engajamento a partir deste sonho do brasileiro.

Uma pesquisa da MindMiners sobre sonhos e pretensões mostra que para 52% dos brasileiros a aquisição do imóvel é a grande prioridade; para 28% é a segunda maior prioridade, logo atrás de estudar. É a compra mais importante da vida das pessoas, carregada de aspectos emocionais. Afinal, o imóvel é o símbolo da conquista, é uma expressão da própria identidade, é o porto-seguro de cada um.

E como organizar esta demanda, que é um sonho enraizado no brasileiro? Não é nada fácil, ainda mais num contexto com as características a seguir.

5. Mercado fragmentado e sem transparência

No Brasil não tem MLS (base de consulta que mostra a totalidade da oferta imobiliária disponível). Muitas já foram as iniciativas de construir um, e será fantástico se alguém de fato conseguir. Assim, são mais de 1.500 incorporadoras, 50 mil imobiliárias, algumas dezenas de proptechs, algumas dezenas de portais e mais 400 mil corretores buscando se diferenciar e atrair o cliente. E assim, sua já dolorosa jornada fica ainda mais complexa e recheada de inseguranças: muito FOMO (“o próximo imóvel será perfeito”), frustração, dúvida de precificação, comunicação comoditizada. Já falei num post sobre minha analogia a respeito da assimetria de informações gerando um Lemons Market, qualquer hora eu publico aqui de novo.

Felizmente, não se pode mais dizer que é um mercado intocado pela tecnologia. Mas ainda há muito espaço para que ela sirva para de fato transformar a jornada do cliente e dos envolvidos nos negócios. Os esforços de todas as empresas do setor, cada uma em sua abordagem própria, sem dúvida contribuirão para melhorar a experiência de busca de um novo imóvel. Que assim seja!

A oportunidade é gigante, as dores são angustiantes e, o principal: o propósito é extraordinário.

Se quiser falar sobre tudo isso e muito mais comigo (tenho uma visão muito particular), é só me chamar para um café. :)

(artigo de Abril/21, originalmente publicado no Linkedin, agora transferido para o Medium)

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Fernanda Sujto

Product Marketing Executive. Over 15 years of experience in Marketing, Strategy & Ops. Deep knowledge about proptech industry. PMM Lead@QuintoAndar.